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    Literatura e vampiros

    25 fevereiro 2010
    Nádia Lopes descobriu a paixão
 pela leitura com a saga Luz e Escuridão
    Nádia Lopes descobriu a paixão pela leitura com a saga Luz e Escuridão

    Tudo começou com um sonho, a 2 de Junho de 2003. Um sonho tão real, tão intenso, que Stephenie Meyer sentiu uma necessidade incontrolável de sentar-se em frente ao computador e registar por escrito o que tinha visto nessa noite: uma rapariga a conversar no meio de uma floresta com o mais bonito dos vampiros sobre o seu amor impossível. O que esta dona de casa do Arizona, então mãe de dois filhos, não sonhou é que essas páginas que começava a escrever iriam ser devoradas por milhões de fãs de todo o mundo, lançando a mais recente moda entre adolescentes e jovens adultos: o fascínio pelos vampiros.
    Em pouco tempo - sobretudo depois da adaptação, em 2008, para filme de "Crepúsculo", o primeiro livro da saga Luz e Escuridão -, as vendas das obras de Stephenie Meyer atingiram valores recordes, multiplicaram-se as páginas na Internet (uma pesquisa no Google por "Twilight" leva a 111 milhões de sites) e disparou o consumo de tudo o que já existia e do que foi saindo em torno do universo fantástico dos vampiros. A Mattel lançou novas Barbies e Kens com os protagonistas de "Twilight". Em Forks, Washington, a pequena cidade para onde se muda a personagem principal do livro, Bella, o turismo disparou 600%, com o comércio local a apostar tudo neste filão. Há quartos de hotel temáticos e bellaburguers à venda. 85 milhões de livros Claro





    Rita Sena na serra de Sintra
    Rita Sena na serra de Sintra

    que o tema não é novo. O "Drácula de Bram Stocker" tem mais de 100 anos. O realizar alemão Friedrich Murnau filmou "Nosferatu" nos anos 20. Coppola repescou a história em 1992, por exemplo. Mas o que seria um tema capaz de interessar a um número razoavelmente disperso de pessoas e algumas tribos góticas, tornou-se num mega-sucesso popular. Em 2009, Stephenie Meyer foi a escritora mais vendida nos Estados Unidos. Charlaine Harris, que também já tinha a sua saga vampiresca ("Sangue Fresco"), ocupou o 5º lugar e tem actualmente oito dos seus livros no top 15 na América. Dos Estados Unidos para o resto do mundo, a popularidade estendeu-se num instante. Em grande parte graças à legião de "twilighters", que espalharam a palavra na Internet. "Os fãs fizeram mais pela promoção dos livros do que aquilo que um departamento de marketing inteiro conseguiria fazer", diz Paulo Ribeiro, da Gailivro, editora em Portugal da saga Luz e Escuridão ("Crepúsculo", "Lua Nova", "Eclipse" e "Amanhecer"), que já vendeu quase meio milhão de cópias. Em todo o mundo, as vendas ascendem aos 85 milhões. E o sucesso de Meyer passou a ser sugado até ao tutano. Nas livrarias, multiplicam-se as obras de capas negras e letras alongadas.
    Rita Sena, 20 anos, cabelo comprido, óculos escuros Ray Ban como no filme e, coincidência das coincidências, de dentes caninos estranhamente pontiagudos - nos encontros de fãs chegaram a perguntar-lhe se tinha feito de propósito - leu-os todos "numa semaninha". E como uma vez soube a pouco, repetiu a dose mais quatro vezes. Foi buscar os filmes de vampiros mais antigos, vê as séries que passam na televisão ("Sangue Fresco" e "Diários do Vampiro", actualmente na RTP), segue a par e passo os sites em torno da saga, indigna-se com os boatos maledicentes sobre os actores que deram corpo às personagens que formam o triângulo amoroso entre Bella, Edward (o vampiro) e Jacob (o lobisomem) e participa ela própria no blogue Volturi Guard, que conta com quase dois milhões de visitas ao fim de um ano de existência.
    "Os vampiros são seres que cativam e que surgem agora num contexto diferente. Já não são feios, nem tão violentos. São mais normais e as pessoas apaixonam-se pelo Edward e pela sua família, que são vampiros provavelmente melhores que muita gente que anda por aí", explica Rita Sena. Alguns já nem sequer bebem sangue humano nem têm os dentes afiados, lembra.
    Tal como ela, também Inês Amaro, 13 anos, fala como se as personagens da saga tivessem passado a fazer parte da "família". Chora a ler os livros, já viu "Crepúsculo" 34 vezes, sofre com as desventuras de Edward e ao pescoço faz questão de usar sempre o seu "amuleto da sorte": um fio com um coração a dizer Twilight. No ano passado, chegou a andar por Lisboa a recolher assinaturas para a vinda dos actores de "Crepúsculo" a Portugal.






    Rendida à história de amor 
entre o vampiro Edward e a jovem Belle, Rita Silva já viu Crepúsculo dez
 vezes
    Rendida à história de amor entre o vampiro Edward e a jovem Belle, Rita Silva já viu Crepúsculo dez vezes

    Nádia Lopes, 21 anos, descobriu a paixão pela leitura com a saga. Gosta do "universo oculto" e da história que funciona como metáfora para um amor "entre pessoas que têm culturas diferentes e fazem tudo para superar as dificuldades". Desempregada, confessa que praticamente toda a sua vida está hoje concentrada no blogue que criou (Crepúsculo Portugal) e que serve para divulgar tudo o que se passa no universo Twilight. As fãs portuguesas parecem ser, aliás, das mais activas. Dividem-se entre o "team Edward" e o "team Jacob" e competem na Net com a Polónia para ver quem tem o maior número de adeptos, conta Rita Silva, estudante, 22 anos, e mais uma devota da mórmon Stephenie Meyer. "O sucesso talvez se deva ao facto de todas as jovens se identificarem com a protagonista, que é só mais uma rapariga da qual ninguém espera nada e que encontra um rapaz perfeito. É bonito, é cavalheiro, faz uma rapariga sentir-se amada, protege-a do perigo. É esse o tipo de homem que todas as mulheres querem", explicam Cláudia e Ana, 16 anos, do blogue Twilight Chronics.
    "No caso da Stephenie Meyer há uma fórmula de sucesso aplicada aos vampiros: pega num mito que é familiar aos jovens, cria personagens com as quais facilmente se identificam, escolhe um espaço de todos os dias como a escola e conta histórias de amor", descreve António Pacheco, editor da Saída de Emergência, que também publica vários livros de literatura fantástica.
    Entre dois mundos, sem pertencer a nenhum Para Rui Zink, professor de literatura e também ele com uma incursão literária recente neste mundo (participou em "Contos de Vampiros", da Porto Editora), lembra o que esta figura sempre representou: "É o morto-vivo, dividido entre um mundo e outro sem pertencer a nenhum", simultaneamente sensual e assustador e que nunca deixou de fascinar. O ressuscitar da moda, continua, tem mais a ver com a saturação de outros filões. "Depois de anos de bruxas e mágicos (Harry Potter), o mercado estava à procura de algo 'novo' - isto é, algo velho mas com roupagens novas, que pudesse apanhar a curva descendente daquele interesse." Mas o que é demais enjoa. Já ninguém se deixaria encantar por uma "senhora gordinha e feiosa que concorresse aos 'Ídolos' de França", exemplifica. A verdade é que a moda pegou. E depois do sucesso dos livros e dos filmes ("Lua Nova" foi o terceiro filme mais visto em Portugal em 2009), as televisões também foram atrás, estreando duas produções nacionais com histórias de vampiros ("Lua Vermelha", na SIC, e "Destino Imortal", na TVI). Nos respectivos dias de estreia, cada uma foi vista por cerca de um milhão de espectadores. "O clima negro, sem esperança, que se vive no mundo inteiro, cria uma necessidade de escape que é ciclicamente satisfeita pela ficção. Os vampiros são uma espécie de semideuses, entre o humano e o herói, que nos ajudam a ultrapassar a realidade que nos esmaga", conclui Virgílio Castelo, actor e consultor da SIC para a produção nacional.
    Publicado na Revista Única do Expresso de 13 de Fevereiro de 2010

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